Por: Colaborador
Por Adhara Campos Vieira*

As primeiras discussões globais sobre o desenvolvimento sustentável foram provocadas em virtude de dados alarmantes quanto a questões ambientais e riscos climáticos. O impacto das sociedades, empresas e governos no planeta moveu uma crise de valores e paradigmas a exigir mudanças na cultura predatória, discriminatória, não inclusiva e sem consciência social e ambiental. Essas consequências, percebidas nas esferas ambientais, sociais, culturais, políticas e econômicas, começaram a ser vistas como um sinal de alerta a partir do final da década de 1950. A partir disso, uma série de encontros locais e mundiais foram realizados para discutir e debater os conceitos e práticas do desenvolvimento sustentável.
Como marco dessa discussão, podemos elencar a publicação do livro de Rachel Carson “A primavera silenciosa”, que registra uma série de denúncias sobre o impacto do crescimento econômico de grandes economias justamente às custas de exploração de sociedades de nações que estavam sendo exploradas. As discussões foram feitas, especialmente pela França e União Europeia, propondo um novo modelo de utilização de recursos, a partir de uma população cada vez mais preocupada com a saúde, a sociedade e o meio ambiente(1).
Nessa perspectiva, Baldissera e Mourão(2) indicam o surgimento do conceito de sustentabilidade, aqui definida como uma “mudança estrutural da sociedade”. Desde então surge à ideia de um compartilhamento de responsabilidade o qual as empresas devem responder por terem dimensão significativa nos impactos gerados pela sua atuação.
A sustentabilidade, portanto, passa a ser inclusa como um valor central na cultura organizacional a nortear a “ação de sujeitos individuais e coletivos em perspectiva de interdependência sistêmica”(3) e tendo em vista a construção de imagem- conceito positiva da empresa, a conquista da legitimidade e a geração de lucros. O jargão “economicamente viável, ambientalmente correto e socialmente justo” demonstra que, se esses três pilares não estiverem alinhados, algo ou alguém estarão sendo explorados de alguma forma, inviabilizando o desenvolvimento sustentável.
Lado outro, a evolução de debates sobre o desenvolvimento sustentável, no âmbito das Nações Unidas, levou esse conceito a ser apropriado pelas discussões de administração de estratégia e de governança, com uma abordagem de conscientização e estímulo a um comportamento de revisão e cuidado em corporações e nos seus planos de negócios.
Em 2015, a ONU (Organização das Nações Unidas) propôs aos seus países membros uma nova agenda de desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos, a Agenda 2030(4), composta pelos 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Esta agenda é um esforço conjunto de países, empresas, instituições e sociedade civil pela qual se busca, por meio das métricas dos ODS, assegurar os direitos humanos, acabar com a pobreza e a fome no mundo, lutar contra a desigualdade, discriminação e a injustiça, promover cidades sustentáveis, alcançar a equidade racial e a equidade de gênero, empoderar mulheres e meninas, agir no sentido de reverter as mudanças climáticas, bem como enfrentar outros dos maiores desafios de nossos tempos.
Neste sentido, a Agenda 2030 é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, que busca fortalecer a paz universal. O plano indica além dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, 169 metas e 231 indicadores globais, para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, dentro dos limites do planeta.
Ante essas diretrizes globais, a agenda ESG propõe não apenas mudanças de estratégia ou de abordagem mercadológica, mas, sobretudo, e, principalmente, mudanças na prática, na cultura, na consciência e na gestão de uma organização.
Atender a pauta ESG (Environmental, Social and Governance) implica investir em diversidade e inclusão não somente direcionado ao público ao qual a empresa destina seus produtos e serviços, mas também ao desenvolvimento desses critérios em sua organização interna.
Estudos sobre a participação feminina no Conselho de Administração e na Diretoria
Os Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU fornecem um conjunto de considerações que ajudam o setor privado a se concentrar nos elementos-chave para a promoção da igualdade entre homens e mulheres no local de trabalho, no mercado e na comunidade(5).
A diversidade de gênero no conselho de administração vem ganhando pauta nas discussões sobre as melhores práticas de Environmental, Social and Governance, na medida em que alguns países adotam regras para estabelecer igualdade de oportunidades.
Segundo estudo da FGV(6), a atenção a este tema se tornou mais evidente a partir do ano de 2000, quando empresas americanas de grande porte, como a Enron e World.com se envolveram em fraudes contábeis, o que provocou uma reformulação para se chegar a uma nova estrutura financeira internacional, que observasse não só os lançamentos contábeis das empresas, mas principalmente os papeis dos conselhos de administração e auditorias externas. Desde então, se implementou diversos mecanismos para melhores práticas de integridade, gestão de risco, códigos de conduta e fiscalizações contábeis no mercado, a fim de recuperar a confiança dos investidores e a transparência das práticas corporativas.
Os resultados demonstram que uma das soluções para este problema está na composição dos conselhos de administração, isto é, na diversificação de comportamento, experiências e qualificações dos membros que participam desta composição(7).
Corroborando esse resultado, estudos, como de Krishnan e Park, que analisaram a relação entre a diversidade e o retorno dos ativos de 679 empresas da Fortune 1000, mostraram uma relação positiva entre a diversidade na administração e a performance financeira(8). No mesmo sentido, McKinsey & Co, que em seu artigo registra que há poder na paridade, sendo que o avanço da igualdade de gênero pode adicionar US$ 12 trilhões ao crescimento mundial(9).
Um conselho diverso apresenta maior probabilidade de ter variedade de perspectivas, percepções, olhares e iniciativas, o que garante mais possibilidades de inovação. O resultado são produtos e serviços mais completos e assertivos, que contemplam uma gama maior de stakeholders, gerando maior retorno financeiro à organização.

Expectativa x realidade: os dados de participação feminina no processo de decisão corporativa no Brasil
Em 2013, a Comissão de Estatística das Nações Unidas (United Nations Statistical Commission) organizou o CMIG (Conjunto Mínimo de Indicadores de Gênero), constituído por 63 indicadores (52 quantitativos e 11 qualitativos) que refletem o esforço de sistematização de informações destinadas à produção nacional e à harmonização internacional de estatísticas de países e regiões relativamente à igualdade de gênero e ao empoderamento feminino.
No Brasil, o órgão responsável pelo controle e publicidade desses dados é o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que vem registrando dados desde 2012 quanto a esses critérios, a fim de preencher importante lacuna na produção de estatísticas de gênero. As informações são organizadas segundo os cinco domínios estabelecidos no CMIG: Estruturas econômicas, participação em atividades produtivas e acesso a recursos; Educação; Saúde e serviços relacionados; Vida pública e tomada de decisão; e Direitos humanos das mulheres e meninas – e fornecem um panorama das desigualdades de gênero no País, com valiosos elementos para reflexão de estudiosos e formuladores de políticas públicas.
Assim, a pesquisa “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil” do IBGE vem ocorrendo ante a participação do Brasil, desde 2012, no Grupo Interinstitucional de Peritos em Estatísticas de Gênero, coordenado pela UNSD (Divisão de Estatística das Nações Unidas).
Divulgada em março de 2021, o IBGE registrou que no Brasil o nível de escolaridade das mulheres é mais elevado que o dos homens. Entre as mulheres, de 18 a 24 anos, 29,75% frequentaram o ensino superior, enquanto entre os homens nesta faixa etária, 21,5%. Apesar da escolaridade maior, observa-se que nem sempre o mercado de trabalho e o mundo dos negócios refletem essa situação. Os dados históricos revelam que as mulheres possuem menor participação na força de trabalho, com 54,5% de participação contra 73,7% dos homens. E a situação piora quando olhamos para os patamares mais altos das organizações, visto que há bem menos participação em cargos gerenciais, detendo 37,4% de participação contra 62,6% dos homens(10).
Segundo o levantamento “ESG Mulheres na Liderança”, realizado pela Teva Índices(11), dentre as 343 empresas analisadas, 38,4% não têm nenhuma mulher no conselho de administração. Mais de 56% das empresas não contam com nenhuma mulher na diretoria, no conselho fiscal ou no comitê de auditoria e somente 25 mulheres são presidentes do conselho de administração, enquanto homens presidem 93,1% destes.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa(12), o Brasil está abaixo da média mundial de participação de mulheres nos Conselhos de Administração das empresas:
“DE ACORDO COM A PESQUISA BRASIL BOARD INDEX 2021, DESENVOLVIDA PELA EMPRESA DE CONSULTORIA SPENCER STUART, AS MULHERES OCUPAM, ATUALMENTE, 14,3% DAS CADEIRAS DOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL CONTRA 11,5% NO ANO DE 2020. OS DADOS MOSTRAM AINDA QUE 65% DOS CONSELHOS APRESENTA AO MENOS UMA MULHER EM SUA COMPOSIÇÃO, CUJO ÍNDICE EM 2020 ERA DE 57%. O MAPEAMENTO FOI REALIZADO COM 211 EMPRESAS LISTADAS NA B3 EM SEGMENTOS DIFERENTES DE GOVERNANÇA CORPORATIVA: 164 EMPRESAS PERTENCEM AO NOVO MERCADO; 21 EMPRESAS AO NÍVEL 2, E 26 EMPRESAS AO NÍVEL 1. ALÉM DA COMPOSIÇÃO DOS CONSELHOS QUANTO À DIVERSIDADE DE GÊNERO, A PESQUISA TAMBÉM INVESTIGOU OS PROCESSOS E A REMUNERAÇÃO DOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO. […] SOMENTE 13,3% DOS CONSELHOS TÊM AO MENOS 30% DE MULHERES ENTRE OS MEMBROS NO BRASIL, ENQUANTO A MÉDIA MUNDIAL É DE 46,8%. FRANÇA E NORUEGA, POR EXEMPLO, SAEM NA FRENTE COM PERCENTUAIS, RESPECTIVAMENTE DE 96,7% E 96%”.
Trazendo esta reflexão de participação feminina nos de poder decisório, para a esfera pública, apenas a título comparativo, em pesquisa realizada pela ENFAM no ano de 2022(13), tendo como referência o período de 2004 a julho de 2022, na composição do Conselho Nacional de Justiça, órgão que tem competências definidas constitucionalmente(14), sendo estas ligadas ao controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, bem como a garantia do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, de 120 magistrados, tivemos apenas 24 mulheres no quadro do órgão, contra 96 homens, o que resulta um histórico consolidado de 20% de participação feminina. Se analisarmos o Supremo Tribunal Federal, Corte máxima da esfera judicial, temos um histórico de 167 ministros e apenas 3 ministras na história da Corte Suprema, o que redunda em um percentual ínfimo de 1,8% de participação feminina(15). O Tribunal Superior do Trabalho, órgão de cúpula da Justiça do Trabalho, por sua vez, reuniu 155 Ministros (as), sendo 145 Ministro para 10 Ministras, o que correspondeu a um percentual de apenas 6,45% de participação feminina ao longo da história(16).
Indicadores tradicionais de monitoramento do mercado de trabalho desagregados por sexo revelam desigualdades expressivas entre homens e mulheres. Esses dados refletem um problema maior, estrutural, relativo às relações de poder entre sexos. Relações estas que nos são repassadas e moldam nosso pensar, nosso agir e nosso sentir em algo tão arraigado em nossa história, memória e família que muitas vezes é imperceptível ao senso comum. Ademais, a exclusão das mulheres dos espaços de poder, por exemplo, do mercado de trabalho, das decisões políticas importantes, é algo que afeta a todos nós, enquanto sociedade.
Nem tudo são flores…
Diversos autores se debruçaram sobre este tema. Pierre Bordieu, Simone Beauvoir, Scott, Rita Segato, Herrera Flores, Ângela Davis, dentre vários outros estudiosos e estudiosas feministas, vão refletir a respeito das relações de poder, do patriarcado, do feminismo e das discussões sobre gênero, raça e classe.
Beauvoir não nega que exista uma natureza feminina, mas ela conclui que essa diferença não é suficiente para explicar a causa da subordinação das mulheres aos homens. Segundo a autora, muitas mulheres ficam presas à vida doméstica na esfera privada, não conseguindo transcender esse tipo de vida, considerada inferior ao homem dentro da sociedade(17).
Segundo Pierre Bourdieu há uma divisão sexual do trabalho, a qual é reproduzida pela família, sociedade, igreja e estado e caracterizada como biológica (naturalizada), sendo na verdade uma construção histórica e social:
“A DOMINAÇÃO MASCULINA ENCONTRA, ASSIM, REUNIDAS TODAS AS CONDIÇÕES DE SEU PLENO EXERCÍCIO. A PRIMAZIA UNIVERSALMENTE CONCEDIDA AOS HOMENS SE AFIRMA NA OBJETIVIDADE DE ESTRUTURAS SOCIAIS E DE ATIVIDADES PRODUTIVAS E REPRODUTIVAS, BASEADAS EM UMA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO DE PRODUÇÃO E DE REPRODUÇÃO BIOLÓGICA E SOCIAL, QUE CONFERE AOS HOMENS A MELHOR PARTE, BEM COMO NOS ESQUEMAS IMANENTES A TODOS OS HABITUS, MOLDADOS POR TAIS CONDIÇÕES, PORTANTO OBJETIVAMENTE CONCORDES, ELES FUNCIONAM COMO MATRIZES DAS PERCEPÇÕES, DOS PENSAMENTOS E DAS AÇÕES DE TODOS OS MEMBROS DA SOCIEDADE, COMO TRANSCENDENTAIS HISTÓRICOS QUE, SENDO UNIVERSALMENTE PARTILHADOS, IMPÕEM-SE A CADA AGENTE COMO TRANSCENDENTES. POR CONSEGUINTE, A REPRESENTAÇÃO ANDROCÊNTRICA DA REPRODUÇÃO BIOLÓGICA E DA REPRODUÇÃO SOCIAL SE VÊ INVESTIDA DA OBJETIVIDADE DO SENSO COMUM, VISTO COMO SENSO PRÁTICO, DÓXICO, SOBRE O SENTIDO DAS PRÁTICAS. E AS PRÓPRIAS MULHERES APLICAM A TODA A REALIDADE E, PARTICULARMENTE, ÀS RELAÇÕES DE PODER EM QUE SE VEEM ENVOLVIDAS ESQUEMAS DE PENSAMENTO QUE SÃO PRODUTO DA INCORPORAÇÃO DESSAS RELAÇÕES DE PODER E QUE SE EXPRESSAM NAS OPOSIÇÕES FUNDANTES DA ORDEM SIMBÓLICA. POR CONSEGUINTE, SEUS ATOS DE CONHECIMENTO SÃO, EXATAMENTE POR ISSO, ATOS DE RECONHECIMENTO PRÁTICO, DE ADESÃO DÓXICA, CRENÇA QUE NÃO TEM QUE SE PENSAR E SE AFIRMAR COMO TAL E QUE ‘FAZ’, DE CERTO MODO, A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA QUE ELA SOFRE”.
Dentro desse contexto, segundo Bordieu “a visão androcêntrica é continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina: pelo fato de suas disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino, instituído na ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente tal preconceito”. Como denuncia Bourdieu, o mundo social é construído de tal forma que a divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas”, ser normal, natural, dóxica, que chega a funcionar como sistemas de percepção, de pensamento e de ação. As mulheres vivem uma espécie de “cerco invisível”, uma espécie de “confinamento simbólico” que chegam a elas próprias reproduzirem a superestrutura de dominação na qual são vítimas, mas que “são produto de um trabalho incessante (e, como tal, histórico) de reprodução, para o qual contribuem agentes específicos (entre os quais os homens, com suas armas como a violência física e a violência simbólica) e instituições, famílias, Igreja, Escola, Estado”(18).
Para termos uma noção exemplificada desta fixação de papéis sociais, Lee e James (2003) observaram a queda no preço de determinada ação após a nomeação de um novo CEO e mostraram que essa queda se tornou ainda maior após essa nomeação ser de uma mulher. De acordo com os autores, os investidores normalmente associam a nomeação de novo CEO com um aumento da incerteza, e esta incerteza se tornou ainda maior quando esse CEO foi uma mulher(19).
Herrera Flores critica essa exclusão da mulher do âmbito público e da política, ante o que ele denomina de “invisibilização feminina” resultante das diferenças sociais construídas que projetam desigualdades de gênero. O autor questiona “por qué de la inexistencia o la invisibilización de las mujeres en el âmbito público?”(20) Cita a posição de Virgínia Woolf que denuncia essa “naturalização da subordinação”, ocultada com a máscara de “sempre foi assim”, o que faz com que esta situação de pactos sociais implícitos que tradicionalmente outorgam às mulheres o âmbito doméstico acabe se reproduzindo por séculos e séculos, excluindo a participação da mulher não somente no âmbito público e na política, mas também na ciência e no mercado de trabalho.
Assim, segundo Joaquín Herrera Flores, existe um depredador patriarcal, que, ao naturalizar valores na sociedade, guia a construção social do direito e da política, estabelecendo e sustentando uma rede de dominação autoritária e totalitária, em que surge uma discriminação entre os iguais perante a lei – os visíveis – e os outros, os diferentes – os invisíveis. Nesse contexto, é preciso questionar a realidade patriarcal que, mesmo invisível, se mostra como naturalmente estabelecida e constitui a base da violação sistemática do princípio da igualdade e da exclusão das mulheres dos espaços decisórios e de poder.

A efetivação de direitos femininos
Historicamente, a Conferência das Nações Unidas sobre Direitos reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos (ONU, 2018). As Nações Unidas têm desenvolvido um importante trabalho na busca da garantia dos direitos humanos das mulheres com a negociação de compromissos e de acordos internacionais, como a Cedaw (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher), realizada em Pequim em 1995. Nestas recomendações específicas, está inclusa a adoção de políticas públicas para aumentar a participação das mulheres nos níveis de representação nas esferas de poder e, se necessário, medidas especiais temporárias (art. 4º, parágrafo 1º, da Cedaw)(21).
O Brasil assumiu vários compromissos internacionais, e entre as recomendações ao Estado brasileiro pelo comitê que monitora o cumprimento da Cedaw, algumas tratam especialmente da questão da sub-representação de mulheres nos espaços de poder. Segundo o indicador que avalia o percentual de parlamentares mulheres em exercícios nas câmaras baixas (Câmara dos Deputados), o Brasil era o país da América do Sul com a menor proporção de mulheres, exercendo mandato parlamentar na câmara dos deputados e encontrava-se na 142ª posição de um ranking com dados para 190 países(22).
Ademais, assegurar às mulheres igualdade de oportunidades nos processos de tomada de decisão não é uma meta somente prevista nos índices da CMIG, mas também da Agenda 2030 da ONU. Segundo esses parâmetros, as mulheres devem participar efetivamente da vida pública, em seus campos cívico, econômico e político, assumindo posições de liderança tanto no setor público, quanto no setor privado.
Entretanto, conforme já denunciado por Joaquín Herrera Flores, pela teoria crítica dos direitos humanos(23), a mera previsão de direitos humanos em textos normativos — as Cartas, as Declarações, os Tratados, os Pactos, entre outros —, isto é, a autolimitação do Estado por meio de normas de garantias, nem sempre garante ou torna acessíveis esses direitos. Às vezes, em realidade, faz é desviar a atenção dos contextos, social, econômico e cultural, sem resolver os problemas da exclusão, da dominação e da desigualdade(24).
Em outros termos, a simples normatização não garante eficácia, mesmo porque os direitos humanos surgiram abrangendo um ideal comum a multiculturas e tendências em um mundo pluralizado e com inúmeras desigualdades sociais, que dificultam sua consolidação prática.
Notamos, em relação a este tema, certa ausência do Estado na efetivação dessa política pública relativa à regulamentação da participação feminina nos conselhos de administração, diretorias e órgãos de cúpula que tenham poder decisório. A fim de minimizar essa ausência, é preciso compreender problemas públicos interseccionais e modos de gestão transversal de políticas públicas, evidenciar a complexidade da pauta em virtude das dinâmicas sociais e refletir sobre os desafios da implementação de uma agenda de empoderamento feminino.
Esta agenda é uma tentativa de reparação histórica da violação de inúmeros direitos. No âmbito do trabalho, é desconstruir crenças, enfrentar injustiças, diferentes tipos de violência e preconceitos. A interseccionalidade precisa ser uma ferramenta do campo das políticas públicas para trazer à tona as evidências das desigualdades de raça, gênero, classe e outras assimetrias.
Assim, é fundamental a articulação entre as instituições públicas e privadas, a sociedade, outros setores e atores que participam da construção da política pública e sua inclusão na agenda de governo. A transversalidade é inerente ao processo participativo e constitui, portanto, um importante recurso de desenvolvimento da cidadania. Nesse sentido, é fundamental pensar políticas públicas como uma construção social, que deve ser inclusiva e de resgate dessas exclusões históricas e que, por isso, deve observar a transversalidade.
Iniciativas para a participação feminina no poder decisório como pauta dos objetivos de desenvolvimento sustentável
Na esfera internacional, podemos citar o movimento de solidariedade #ElesPorElas #HeForShe, criado pela ONU Mulheres para reunir pessoas – de todos os sexos, gêneros, raças, etnias e classes sociais – e instituições num esforço global para eliminar as barreiras sociais e culturais que limitam o desenvolvimento das mulheres e as impedem de exercer plenamente seus direitos humanos. Parte do princípio que a igualdade de gênero é uma questão de justiça e traz benefícios a todos os seres humanos, motivo pelo qual estimula as organizações a terem a igualdade de gênero.
Àquelas instituições que aderem ao movimento #ElesPorElas HeForShe precisam submeter à ONU Mulheres uma estratégia e um plano de ação que inclua o desenvolvimento e a implementação de iniciativas que visem à igualdade de gênero na organização. A assinatura dos Princípios de Empoderamento das Mulheres é primeira iniciativa recomendável às empresas que querem se engajar com o compromisso
#ElesPorElas #HeForShe. Elas também são encorajadas a aderir à Rede Brasileira do Pacto Global(25).
Na esfera privada, há algumas iniciativas, como, por exemplo, da A B3, operadora da bolsa de valores do Brasil, que quer estabelecer regras para aumentar a diversidade de gênero e de representatividade em cargos de alta liderança nas empresas brasileiras.
“A PROPOSTA FOI COLOCADA EM AUDIÊNCIA PÚBLICA NA SEMANA PASSADA E PRETENDE FAZER COM QUE AS COMPANHIAS LISTADAS NA B3 ELEJAM AO MENOS UMA MULHER E UM INTEGRANTE DE UM GRUPO MINORIZADO PARA EXERCER UM CARGO NO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO OU NA DIRETORIA ESTATUTÁRIA. COMO INTEGRANTES DESSE GRUPO A B3 LISTOU PESSOAS PRETAS OU PARDAS, INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTQIA+ OU PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. ATÉ O DIA 16 DE SETEMBRO, A B3 RECEBERÁ CONTRIBUIÇÕES DA SOCIEDADE PARA O ESTABELECIMENTO DESSAS REGRAS POR MEIO DO E-MAIL DA ENTIDADE. A PREVISÃO É DE QUE O TEXTO FINAL, JÁ COM AS REGRAS DETERMINADAS, POSSA ENTRAR EM VIGOR NO ANO QUE VEM. SEGUNDO A B3, A PROPOSTA PREVÊ QUE AS COMPANHIAS QUE NÃO CONSEGUIREM AVANÇAR NESSA AÇÃO TERÃO QUE INDICAR AO MERCADO E AOS INVESTIDORES EM GERAL OS MOTIVOS QUE INVIABILIZARAM ESSAS REGRAS, EM UM MECANISMO CONHECIDO COMO ‘PRATIQUE OU EXPLIQUE’. AS EMPRESAS TERIAM ATÉ 2 ANOS, APÓS A NORMA ENTRAR EM VIGOR, PARA SE ADEQUAREM ÀS REGRAS. OU SEJA, ATÉ 2025 ELAS PRECISAM COMPROVAR A ELEIÇÃO DO PRIMEIRO MEMBRO OU APRESENTAR JUSTIFICATIVAS PARA O NÃO CUMPRIMENTO DA MEDIDA. DAS 423 COMPANHIAS LISTADAS ATUALMENTE NA B3, CERCA DE 60% NÃO TÊM NENHUMA MULHER ENTRE SEUS DIRETORES ESTATUTÁRIOS E 37% NÃO TÊM NENHUMA MULHER EM SEU CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO”.
Nesse sentido, diretores, gestores e conselheiros precisam estar mais atentos às necessidades e ao desenvolvimento de colaboradores internos e sua equidade no que diz respeito às oportunidades dentro da instituição a fim de assegurar o desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade assume aos poucos nas empresas a inclusão dos princípios de dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho em condições de iguladade aos seus processos e negócios.
É importante que as empresas que estejam antenadas a cumprir a Agenda 2030 e os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, tracem metas e compromissos de longo prazo para obtermos um quadro de colaboradores e lideranças mais representativos. Pensar a criação de processos seletivos e programas de desenvolvimento profissional inclusivos e não discriminatórios, além de um ambiente de trabalho acolhedor e engajado que conte com mulheres em quadros decisórios.
O aumento da geração de oportunidades para todas e todos resultada em um ambiente corporativo mais inclusivo e acolhedor, além de desenvolver programas, políticas internas e externas que atendam melhor e de maneira mais plena a sociedade que também é diversa e plural.
Uns exemplos de meta a serem estabelecidas seria a inclusão de pelo menos 50% de colaboradoras nos quadros da empresa, a inclusão de 50% de mulheres em posições de liderança (diretorias e conselhos de administração), incluindo também os compromissos antirraciais e de inclusão da diversidade e acessibilidade. Outra ideia é permitir a participação ativa e interativa entre governos, instituições financeiras, do empresas do setor privado, investidores, organizações não-governamentais, academia e das associações profissionais para que trabalhem em conjunto em prol de ideias que busquem concretizar as metas da ODS 5 da Agenda 2030 não somente em programas externos à empresa, mas primeiramente no ambiente interno. É preciso que a mudança parta de dentro para fora do ambiente organizacional.
Nesse sentido, é preciso um esforço para que as lideranças estejam mais engajadas e sensíveis a questões de equidade de grupos subrepresentados, o que inclui o olhar para a participação das mulheres nas decisões das empresas.
Melhores condições de trabalho garantem renda e autonomia financeira, que, por sua vez, resultam em situações domésticas mais paritárias no meio familiar. Há também um efeito de autoestima e mudança de paradigmas, de modo que mais mulheres empoderadas servem de exemplo para outras gerações, por construir um mercado de trabalho mais justo e diverso.
Dentro dos critérios ESG, urge criar um ambiente de negócios ativos, que envolve uma ampla parceria de grupos de interesse, facilitadores, colaboradores e inovadores que gere oportunidades equitativas para as mulheres e os homens a fim de fomentar uma maior participação das mulheres no corpo diretivo das empresas, resultando, por conseguinte, em ações que promovam o empoderamento feminino com a inclusão das mulheres nos processos decisórios.
Ao cumprir esses requisitos, estaremos cumprimento o objetivo de desenvolvimento sustentável de n.º 5 da Agenda 2030, motivo pelo qual podemos afirmar que empresas que detém participação de mulheres no conselho de administração e na diretoria apresentam maior valor de mercado e melhor desempenho operacional, tendo em vista o cumprimento da Agenda 2030 e dos critérios ESG ou ASG (Meio Ambiente, Social e Governança Corporativa) quanto a pauta do empoderamento feminino e da participação das mulheres no corpo diretivo das empresas e sua atuação e inclusão no poder decisório. Isso representa hoje maior oportunidade de receber inclusive aportes e incentivos, tendo em vista a construção de captações para negócios sustentáveis.
*Doutoranda e Mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília. Pós-graduada em Controladoria Governamental pela Cathedra (OMNI). Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília e em Direito pelo Centro Universitário IESB. Servidora da justiça, analista judiciária do TST há 18 anos. Atualmente, lotada na Secretaria de Governança e Gestão Estratégica do CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho), na área de Governança da Sustentabilidade e em acompanhamento à Comissão Nacional de Execução Trabalhista. Mediadora e conciliadora pelo TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios). Presidente da ONG Florescer, Gestora de Fundo Patrimonial. Tutora de Educação à Distância pela UEG (Universidade Estadual de Goiás). Membra consultora da Comissão de Direito Sistêmico da OAB-DF. Experiência com coordenação de Pós-Graduação e Professora na área de gestão de conflitos, comunicação não-violenta e narrativas terapêuticas. Tutora de Educação à Distância pela UEG. Terapeuta.
Notas
(1) Clube de Roma (1968); Conferência de Estocolmo: Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Estocolmo), a qual deu origem ao PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Comissão Brundtland (1987): Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) adotou o conceito de desenvolvimento sustentável em seu relatório Our Common Future (Nosso futuro comum), também conhecido como Relatório Brundtland. CNUMAD (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento): RIO 92 – Agenda 21. Conferência das Nações Unidas RIO +10: 2002 e 2012. Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2030.
(2) BALDISSERA, R.; MOURÃO, I. Comunicação Organizacional para a sustentabilidade: os Relatórios de Sustentabilidade GRI. Trabalho apresentado no XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2015, p. 4.
(3) Idem, 2015, p. 5.
(4) Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2030.
(5) MOVIMENTO MULHER 360. Cartilha de Princípios de Empoderamento das Mulheres (baseada na cartilha oficial glogal dos WEPs da ONU Mulheres Brasil e da Rede Brasil do Pacto Global). Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wpcontent/uploads/2016/04/cartilha_ONU_Mulheres_Nov2017_digital.pdf
(6) Margem, Helena Rangel Participação das mulheres no conselho de administração e diretoria, valor e desempenho das companhias brasileiras de capital aberto / Helena Rangel Margem. — 2013. Dissertação (mestrado) – Fundação Getulio Vargas, Escola de Pós- Graduação em Economia. Orientador: André Luiz Carvalhal da Silva.
(7) Krishnan, H.A. and Park, D. A few good women – on top management teams, Journal of Business Research, v. 58, p. 1712-1720,
2005.
(8) Krishnan, H.A. and Park, D. A few good women – on top management teams, Journal of Business Research, v. 58, p. 1712-1720,
2005.
(9) The power of parity: How advancing women’s equality can add US$ 12 trillion to global growth, McKinsey & Co, 2015.
(10) 12 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2ª edição, 2021. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf. Acesso em 1º março 2023.
(11) https://www.tevaindices.com.br/esg-data/esg-mulheres-na-lideranca
(12) ALVES, Gabriele. “Mulheres ocupam 14,3% das posições em conselhos no Brasil”. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Data 26/08/2021. Disponível em https://www.ibgc.org.br/blog/pesquisa-diversidade-mulheres-conselhos-no-Brasil. Acesso em 27 fev 2023.
(13) ENFAM (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados). Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gênero, Direitos
Humanos e Acesso à Justiça. A participação das magistradas no Conselho Nacional de Justiça: números e trajetórias. Brasília, 2022, p. 32.
(14) Constituição Federal, arts. 102, caput, inc. I, letra “r” e 103-B, § 4º.
(15) ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gênero, Direitos Humanos e Acesso à Justiça. A participação das magistradas no Conselho Nacional de Justiça: números e trajetórias. Brasília, 2022, p. 33.
(16) ENFAM. Núcleo de Estudos e Pesquisa em Gênero, Direitos Humanos e Acesso à Justiça. A participação das magistradas no Conselho Nacional de Justiça: números e trajetórias. Brasília, 2022, p. 36-37.
(17) BEAUVOIR. Simone. O segundo sexo. 1 Fatos e Mitos. Tradução: Sergio Milliet. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970, p. 24-25.
(18) BOURDIEU in VIEIRA, Adhara Campos. Constelação sistêmica na violência contra a mulher: perigo ou solução? 1. Edição – Brasília : BIPDH, 2020.
(19) Lee, P.M. and James, E.H. She’-E-Os: Gender Effects and Stock Price Reactions to the Announcements of Top Executive
Appointments, Darden Business School Working Paper, p. 02-11, 2003 in Margem, Helena Rangel Participação das mulheres no conselho de administração e diretoria, valor e desempenho das companhias brasileiras de capital aberto / Helena Rangel Margem. — 2013. Dissertação (mestrado) – Fundação Getulio Vargas, Escola de Pós-Graduação em Economia. Orientador: André Luiz Carvalhal da Silva.
(20) FLORES, Joaquín Herrera. De habitaciones propias y otros espacios negados (Una teoría crítica de las opresiones patriarcales). Bilbao: Universidad de Deusto, 2005, p. 14.
(21) ONU MULHERES. Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher. Pequim: ONU Mulheres, 1995. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/declaracao_beijing.pdf. Acesso em 1º março 2023.
(22) Indicador CMIG 44a. No Brasil, esse indicador passou de 10,5%, em dezembro de 2017, para 14,8%, em setembro de 2020.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil. 2ª edição, 2021. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf. Acesso em 1º março 2023.
(23) FLORES, Joaquín Herrera. Teoria crítica dos Direitos Humanos: os Direitos Humanos como produtos culturais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
(24) VIEIRA, Adhara Campos. Constelação sistêmica na violência contra a mulher: perigo ou solução? 1. Edição – Brasília : BIPDH, 2020.
(25) https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/cartilha_ONU_Mulheres_Nov2017_digital.pdf
FONTE: Varejo S.A
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