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POR: Daniel Keniti Sakamoto
A economia comportamental traz a psicologia para o centro do debate ao reconhecer limites de atenção
Imagine a cena: fim de tarde, loja cheia. Uma cliente entra decidida a comprar “só um sabonete”, mas sai com um kit “leve 3, pague 2” e um difusor de ambientes. Será que foi apenas preço? Provavelmente foi contexto, atalho mental, prova social — em outras palavras, Economia Comportamental em ação.
Para empresários e empreendedores, entender esses mecanismos é transformar “achismo” em estratégia: ajustar vitrine, rótulos, preços e jornadas para se conectar com a forma como as pessoas decidem na vida real.
O que é, afinal, Economia Comportamental?
A economia tradicional parte do pressuposto de um consumidor plenamente racional. Já a economia comportamental traz a psicologia para o centro do debate ao reconhecer limites de atenção, tempo e autocontrole, o papel das emoções e a influência decisiva do contexto imediato em cada decisão.
Três pilares ajudam a organizar o tema:
Racionalidade limitada: Herbert Simon mostrou que decidimos com informação incompleta e tempo escasso; em vez de buscar a opção perfeita, escolhemos a que é “boa o suficiente” — satisfazemos, não maximizamos.
Dois sistemas de pensamento: Daniel Kahneman identificou duas formas de pensar, denominou de Sistema 1 o pensamento rápido, automático e intuitivo, e de Sistema 2 o pensamento mais lento, analítico e esforçado. No varejo, o Sistema 1 costuma comandar: sinais simples, atalhos mentais e o design do ambiente orientam cliques e escolhas na prateleira.
Teoria da Perspectiva: Daniel Kahneman e Amos Tversky evidenciaram que perdas pesam mais do que ganhos equivalentes (aversão à perda). Isso muda como percebemos descontos, riscos e garantias — o enquadramento importa tanto quanto o valor.
É nesse contexto que entram as heurísticas (atalhos mentais) e os vieses (tendências sistemáticas de erro). Richard Thaler aprofundou esse campo ao popularizar a terminologia “arquitetura da escolha”: o desenho do ambiente, físico ou digital, que cria empurrões gentis (nudges) para orientar decisões melhores sem impor proibições ou retirar a liberdade de escolher.
Os conceitos mais úteis para nos negócios
Ancoragem: a primeira referência molda a percepção de valor. Exponha opções em progressivas (Básico, Mais Vendido, Premium). Um “preço de referência” legítimo, visível, contextualiza o desconto.
Aversão à perda: perder dói mais. Mensagens como “Não perca R$ 60 de economia comprando hoje” tendem a performar melhor do que “Ganhe R$ 60 de desconto”.
Prova social: seguimos o que parece popular. Sinalize “Mais vendido”, notas e número de avaliações. Em loja física, organize “Top escolhas da semana”.
Escassez e urgência: quando algo é raro ou vai acabar, o valor percebido sobe. Use com responsabilidade: “Últimas 5 unidades” apenas se for verdade; “Encerra às 23h59” com relógio real.
Defaults (opções padrão): o que já vem pré-selecionado tende a ser mantido. Definir “retirar na loja” como padrão quando esse é o prazo mais rápido para o cliente aumenta a adesão; da mesma forma, deixar a inscrição na newsletter previamente marcada — com linguagem clara e a possibilidade de desmarcar facilmente — simplifica a decisão sem restringir a liberdade.
Simplicidade e fricção: cada clique e cada campo extra derrubam conversões. Remova obstáculos desnecessários (sludges) e explicite prazos, frete e política de troca no momento certo.
Desconto hiperbólico (presenteísmo): preferimos benefício imediato a ganho maior futuro. Bonificações instantâneas, cashback “na hora” e entrega no mesmo dia ganham força.
Contabilidade mental: as pessoas separam mentalmente “caixinhas” de dinheiro. “Frete grátis a partir de R$ 199” pode converter mais do que “10% off”, pois dói pagar frete.
Excesso de escolha: variedade demais paralisa. Curadoria com 6–9 opções por categoria tende a reduzir indecisão em relação a listagens com 20+ itens.
Compromisso e consistência: pequenos compromissos assumidos agora — por exemplo, dar opt-in no clube de vantagens — aumentam a chance de decisões mais substanciais depois, como aderir a uma assinatura ou configurar compras recorrentes.
Do conceito ao chão de loja (e ao checkout)
Quando você estrutura a página de produto com fotos claras, avaliações autênticas e um selo “Mais vendido”, está conversando diretamente com o Sistema 1 — rápido, intuitivo, sensível a pistas visuais. Ao explicitar o custo por dia (“menos de R$ 2/dia”), oferecer retirada ainda hoje às 17h ou exibir “faltam R$ 23 para frete grátis”, você aciona contabilidade mental e desconto hiperbólico, tornando o benefício imediato mais saliente do que o custo total. Reduzindo campos no cadastro, habilitando checkout expresso e tornando frete, prazo e políticas de troca cristalinos, você corta fricção e ansiedade, preservando a sensação de controle. O resultado é um empurrão ético: o cliente decide melhor, você converte mais — sem depender de promoções eternas — e ainda constrói confiança para a recompra.
Ética não é perfumaria: é ROI de longo prazo
Arquitetura de escolhas não é manipulação. É serviço. Evite “padrões escuros” (contadores falsos, caixas marcadas escondidas, cancelamentos difíceis). Seja literal sobre escassez, preços de referência e política de devolução. Transparência preserva confiança, reduz CAC ao longo do tempo e sustenta LTV.
Leituras essenciais para dominar o tema
Rápido e devagar: duas formas de pensar (Daniel Kahneman). Visão seminal sobre os dois sistemas de pensamento e os vieses que moldam decisões.
Misbehaving: a construção da economia comportamental (Richard H. Thaler). A história do campo e aplicações práticas como “arquitetura de escolhas”.
Nudge: o empurrão para a escolha certa (Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein). Como desenhar contextos que facilitam boas decisões sem retirar liberdade.
Previsivelmente irracional (Dan Ariely). Experimentos acessíveis que mostram por que escolhemos de modo “ilógico” — e o que fazer a respeito.
A lógica do consumo (Martin Lindstrom). Insights sobre o que, de fato, chama atenção e guia compras no ponto de venda.
O poder do hábito (Charles Duhigg). Entenda loops de hábito para estruturar recompensas, reposição e recorrência.
Fechando a história
Voltemos à cliente do início. Ela saiu com mais itens provavelmente porque o ambiente a ajudou a decidir: um preço ancorado, uma etiqueta “Mais vendido”, uma promoção simples e direta (leve 3, pague 2) e um checkout sem obstáculos. Quando você domina economia comportamental, deixa de depender de sorte e passa a desenhar jornadas que respeitam o tempo, a atenção e as emoções do seu público. É ciência aplicada ao balcão — e ao botão “comprar”. Comece observando onde seus clientes hesitam, reduza fricções visíveis e comunique valor no enquadramento certo. O comportamento humano em seu estado natural fará o resto.
*Daniel Sakamoto é gerente executivo da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), internacionalista, jurista e mestre em Políticas Públicas.
FONTE: Varejo S.A