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POR: Colaborador
Se a IA conversacional agora finaliza transações, quem no seu board (e time executivo) está discutindo isso como alavanca estratégica e não apenas como experimento digital?
O anúncio mais recente da OpenAI que inaugura o recurso de compras instantâneas dentro do ChatGPT com base no Agentic Commerce Protocol marca um divisor de águas para o varejo. Pela primeira vez, uma plataforma de IA conversacional deixa de ser apenas intermediária de informação para se tornar um ambiente transacional, em que a busca, a recomendação e o checkout se fundem em uma experiência fluida. Isso não é apenas um avanço tecnológico: é o início de uma mudança estrutural que redefine como consumidores se relacionam com marcas e como empresas concebem sua estratégia digital.
A jornada deixou de ser linear
A ideia de um funil previsível e linear de atenção, interesse e conversão já não traduz a realidade do consumidor contemporâneo. Hoje, cada interação é um ponto de decisão, mediado por algoritmos, interfaces conversacionais e comunidades digitais. O Agent Commerce cristaliza esse movimento: o consumidor pode perguntar, comparar, receber feedback social e concluir a compra no mesmo diálogo. A linearidade dá lugar a uma rede complexa, em que múltiplos estímulos coexistem e a decisão final emerge desse fluxo.
O poder do conversacional e o impacto na decisão
A linguagem natural é mais do que interface, é influência. O consumidor responde de maneira intuitiva à sensação de estar sendo compreendido, e isso torna os agentes conversacionais poderosos formadores de preferência. Ao mesmo tempo, cresce a necessidade de reflexão crítica: recomendações podem refletir interesses comerciais disfarçados de neutralidade. A confiança é o ativo mais escasso e, nesse contexto, marcas que não forem transparentes sobre critérios de sugestão correm risco de erosão reputacional.
Democratização: de grandes players a pequenas empresas
É evidente que grandes corporações possuem dados, times e orçamentos para explorar o potencial de agentes inteligentes. Mas a novidade está no efeito democratizador da tecnologia. O acesso a APIs, modelos pré-treinados e integrações já permite que pequenas e médias empresas implementem soluções antes restritas a gigantes. Uma loja independente pode oferecer experiência de compra conversacional tão sofisticada quanto a de um conglomerado, alterando a balança competitiva do varejo. Essa vantagem, devido a baixa complexidade, pode resultar em inovação caso exista uma ambição focada em atender seus clientes.
A pressão sobre o modelo SaaS
Se o SaaS (Software como Serviço) transformou a forma de entregar softwares mas o Agent Commerce pode transformar sua lógica de captura de valor. Plataformas deixam de ser apenas sistemas de gestão para se tornarem interfaces vivas com o consumidor final. Isso altera contratos, interações, métricas e até precificação. A pergunta passa a ser: o cliente está pagando por tecnologia ou pelo valor que ela gera em novas vendas, engajamento e fidelização? O efeito tende a ser um redesenho do mercado SaaS e uma convergência entre tecnologia, marketing e vendas.
Tecnologia como alavanca de negócio, não centro de custo
Ainda existem executivos que tratam tecnologia como área de suporte ou centro de custo. Essa visão está desgastada e pouco condizente com o potencial de inovações e possibilidades. O lançamento da OpenAI deixa claro que IA e agentes conversacionais são vetores de crescimento de receita. Se um CEO, CSO ou CMO não conseguem conectar o impacto da tecnologia à estratégia de expansão e gestão, está atrasado. E os conselhos de administração? Muitos ainda discutem inovação em comitês paralelos, quando o correto é incorporar esse tema ao coração da governança. O recado é direto: a distância entre quem conecta e quem não conecta estratégia e tecnologia só vai aumentar.
O olhar do consumidor: ampliar escolhas sem aumentar atrito
Para o consumidor, a promessa é dupla. De um lado, a ampliação de repertório, o acesso a recomendações mais diversas, personalizadas e contextualizadas. De outro, a redução de atrito pois a compra pode ser concluída em segundos, sem navegar por múltiplas páginas. O desafio é equilibrar conveniência e amplitude. Um ecossistema de agentes pode tanto enriquecer a experiência quanto criar bolhas de consumo se estiver mal calibrado. O varejo – e a empresa responsável – deverá assumir responsabilidade nesse equilíbrio.
Storytelling e a reinvenção do comercial
O Agent Commerce não transforma apenas tecnologia, ele altera a narrativa. O marketing deixa de ser broadcast para se tornar conversa contínua, o growth passa a explorar micro interações em tempo real, e o comercial precisa se reposicionar como curador e não apenas vendedor. É um storytelling cocriado: marcas e consumidores escrevendo juntos cada capítulo da experiência de compra.
Aqui vale uma provocação final: se a IA conversacional agora finaliza transações, quem no seu board (e time executivo) está discutindo isso como alavanca estratégica e não apenas como experimento digital? A velocidade com que a tecnologia sai do laboratório e entra na vida real não permite a executivos se manterem observadores. No varejo, ou se age, ou se assiste à disrupção do concorrente. Buscar parceiros que conectem estratégia e tecnologia com visão de negócio evita atalhos e soluções superficiais que parecem hacks mas comprometem resultados de longo prazo.
*Juliana Velozo é Senior VP Retail, CPG, Travel & Transportation, Healthcare na Thoughtworks LATAM
FONTE: Varejo S.A